Após o desastre, um sistema transitório de governança

 

Em março de 2016, o rompimento da Barragem de Fundão deixou 19 mortos, destruiu povoados e espalhou lama ao longo de 670 km da Bacia do Rio Doce, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. 

Para mitigar os efeitos do desastre, foi instaurado um sistema transitório de governança. O primeiro passo foi o estabelecimento do TTAC, o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta. A partir dele, foram criados o Comitê Interfederativo (CIF) e a Fundação Renova, responsáveis por implementar e monitorar os 42 programas destinados a recuperar a natureza e os meios de subsistência das comunidades afetadas. 

Tal modelo, entretanto, poderia ter envolvido mais efetivamente as populações afetadas e outras partes interessadas. Além disso, a sobreposição de programas de restauração, bem como as lacunas na integração de ações e na disponibilização de informações importantes, como a qualidade da água e os impactos na saúde, prejudicam a eficácia das ações. 

 

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Governança responsiva para a Bacia do Rio Doce: As recomendações do Painel

Painel do Rio Doce se reúne no Instituto Terra com jovens participantes do Projeto "O futuro do Rio Doce somos nós", liderado pelo Instituto Elos (2019).

IUCN\Painel do Rio Doce

Para o Painel do Rio Doce, o trabalho de restauração em curso traz oportunidades para estabelecer um modelo de governança mais responsivo e participativo para a Bacia do Rio Doce, que mire o longo prazo e garanta a continuidade dos esforços, mesmo após o fim dos programas implementados.

 

Infografico pilares do modelo ideal

 

Levando em conta esses princípios, o Painel recomenda a construção, de forma participativa, de uma visão comum para o futuro sustentável da Bacia. Além disso, é necessário fortalecer as instituições governamentais e de gestão para que sejam capazes de prosseguir com o trabalho realizado pela Fundação Renova, garantindo a continuidade dos esforços de restauração. 

Considerando a estrutura de governança dos recursos hídricos no Brasil, o Painel também recomenda o fortalecimento e o aumento da participação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (CBH-Doce) nas ações de restauração, uma vez que reúne representantes do governo, do setor privado e da sociedade, e é a instituição responsável por elaborar e aprovar o Plano Integrado de Recursos Hídricos da Bacia, atualmente em revisão.  

Também é preciso ampliar a coleta e sistematização de dados, tornando-os públicos e disponíveis às comunidades, que, uma vez empoderadas, aumentarão sua participação nos processos decisórios. 

Conheça todas as recomendações de ação para fortalecer a governança de longo prazo da Bacia do Rio Doce, publicadas no Relatório Temático 4: Da restauração à governança responsiva. 

 

Painel do Rio Doce - Governança de longo prazo

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Experiências bem-sucedidas

Linhares, MG, 05 de outubro de 2018. Fundação RENOVA. Expedição Caminho da Reparação.

Na imagem, instalação de ponte sobre o canal que liga a lagoa Juparanã ao Rio Pequeno e ao Rio Doce.

Imagem: NITRO

Há vários exemplos bem-sucedidos de governança responsiva, tanto no Brasil quanto no exterior. Embora os modelos variem, todos apresentam características em comum, como comunicação efetiva, compromisso, compreensão e clareza sobre os resultados desejados. 

Eis alguns desses casos: 

 

Participação social nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Brasil)

 

Na década de 1960, o Rio Piracicaba sofria com a alta mortandade de peixes, devido à industrialização e ao crescimento demográfico. Para mudar essa situação, em 1989, movimentos sociais criaram o Consórcio PCJ, reunindo setores públicos, privados e sociedade civil no desenvolvimento de políticas de melhoria da qualidade dos recursos hídricos. A iniciativa foi tão exitosa que o consórcio atuou como órgão principal do setor até a implementação do Comitê de Bacias Hidrográficas da região, em 1997.

Rio Piracicaba : © HVL / Wikimedia Commons / CC-BY-SA-3.0 / GFDL

Comunicação e transparência na Baía de Chesapeake (Estados Unidos)

 

Chesapeake Bay : © Ole Bendik Kvisberg / Wikimedia Commons / CC-BY-SA-3.0 / GFDL

Para acompanhar e fiscalizar a região, o Programa da Baía de Chesapeake utiliza uma série de ferramentas de monitoramento, compartilhamento de informações e tomada de decisões. E também realiza reuniões e audiências públicas, para se comunicar com a sociedade civil. O programa ainda produz boletins com base em indicadores de saúde do ecossistema nas sub-regiões da baía, amplamente difundidos para o público.

Participação de beneficiários em projeto habitacional pós-desastre (Colômbia)

Em 1999, um grande terremoto atingiu diversos departamentos de plantações de café, na Colombia. Logo após o desastre, a organização dos cafeicultores coletou dados sobre as necessidades dos produtores e estruturou a autogestão dos fundos disponibilizados pelo governo e por ONGs. Essa abordagem permitiu liberdade para explorar soluções diferentes, participação direta no trabalho e aquisição de novas habilidades.

Cafetales, Triángulo del Café, Colombia: © Maria del Pilar Ruiz/Triángulo del Café Travel/CC-BY-2.0

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Judicialização e outras questões

Reassentamento Bento Rodrigues

Fundação Renova

A atual estrutura de governança da Bacia do Rio Doce requer ajuda para alcançar maior eficiência nas ações de restauração.

A judicialização de programas, a dificuldade de alcançar um consenso na reparação e os impasses na governança atrasaram a instalação das Assessorias Técnicas Independentes (ATI), previstas no Termo de Ajustamento de Conduta-Governança (TAC-GOV), assinado em 2018, para garantir maior participação da população atingida. 

Em decisão recente, o Juízo Federal da 3a Vara Federal de Colatina (ES), homologou o Termo de Compromisso assinado pelas Assessorias Técnicas Independentes (comumente chamadas Assessorias Técnicas)  para serviços em 12 territórios afetados. No final de 2022, A Fundação Renova foi notificada a depositar os valores referentes aos primeiros seis meses de trabalho. 

No entanto, como a Fundação não é responsável pelo desenvolvimento de longo prazo da região, os governos estaduais e órgãos competentes devem chegar a um acordo para fazer a transição para a era pós-Renova, com o propósito de definir prioridades, garantir recursos financeiros e envolver as comunidades. Até a publicação deste material, não houve decisão sobre o assunto. 

 

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Visão de futuro

Situação dos pescadores da região que estão com as atividades quase paradas desde o rompimento da barragem de Fundão.

Imagem: Gustavo Baxter/NITRO/Histórias Visuais

Algumas das recomendações do Painel condizem com ações já em curso pela Renova, como a comunicação dos resultados da avaliação da biodiversidade aquática e da toxicidade de peixes às comunidades afetadas e a todos os interessados, via Portal do Monitoramento.  

Outras foram parcialmente aceitas, a exemplo da necessidade da adoção da abordagem fonte-mar e abordagem integrada de paisagem na restauração Rio Doce. Porém, as medidas necessárias para sua implementação ainda estão em discussão. 

E há ainda aquelas totalmente rejeitadas, como o desenvolvimento de um plano de ação climática para a Bacia. No entendimento do Painel, essa e outras questões necessitarão de atenção em um futuro próximo. 

O Painel do Rio Doce acredita que a construção de uma governança responsiva é fundamental para garantir não somente a mitigação dos efeitos do desastre, mas também o futuro sustentável para o rio e suas populações.  

Este futuro deve ser planejado no presente, recorrendo à ciência, à ação conjunta e às boas práticas das empresas e dos governos, para que desastres como o rompimento da Barragem de Fundão não voltem a acontecer. E para que as sociedades possam estar prontas para responder em episódios semelhantes.

 

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Saiba mais sobre o Painel do Rio Doce

Membros do Painel do Rio Doce visitam a área da Barragem de Fundão

IUCN\Painel do Rio Doce

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