Município de Mariana, estado de Minas Gerais, Brasil, 16h20 do dia 5 de novembro de 2015.

Nesse lugar, nesse instante, rompeu-se a Barragem de Fundão, que comportava mais de 50 milhões de m3 de rejeitos de mineração, algo como 26 mil piscinas olímpicas completamente cheias.  

Poucos minutos depois, uma onda de lama desceu pelo vale e atingiu o distrito de Bento Rodrigues, antes que o sinal de alerta tivesse tempo de soar. 

Graças à ação de Paula Geralda Alves, que arriscou sua própria vida para avisar a comunidade sobre o desastre, a maioria dos moradores pôde sair a tempo das áreas de risco, evitando uma tragédia ainda maior.

Ao ouvir em uma frequência de rádio a notícia do rompimento da barragem localizada morro acima, Paula subiu em sua pequena moto e percorreu à toda velocidade as ruas do vilarejo, buzinando e alertando sobre a chegada da lama ao distrito. Cerca de meia hora depois, os rejeitos atingiram Bento Rodrigues, destruindo casas e deixando parte do povoado soterrado. 

Os esforços ajudaram a salvar grande parte dos 600 habitantes, mas 5 deles não conseguiram se abrigar em local seguro, assim como 14 trabalhadores da mineradora, vitimados no momento do desastre.

Os rejeitos também destruíram parte das comunidades de Paracatu de Baixo e Gesteira e inundaram o centro da cidade de Barra Longa, margeada pelo rio Gualaxo do Norte, um dos afluentes que formam o Rio Doce, juntando-se ao fluxo do rio e percorrendo o caminho até sua foz. 

 

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Rio Doce coberto de lama

Imagem: Fundação Renova

A lama tingiu de marrom toda a Bacia do Rio Doce, até desaguar no Oceano Atlântico na praia de Regência, no município de Linhares, estado do Espírito Santo.

Em seu percurso de dezesseis dias até o mar, os rejeitos atingiram dezenas de municípios e centenas de comunidades, incluindo a cidade de Governador Valadares, com mais de 280 mil habitantes, a qual dependia exclusivamente do Rio Doce para provisão de água potável.

Como consequência, a chegada da lama interrompeu os serviços de abastecimento e as atividades de subsistência, como agricultura, pecuária e pesca.

O rompimento da Barragem de Fundão, pertencente à Samarco, causou um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil.

"Nosso primeiro impacto foi ver a grande mortandade de peixes e a mudança na água. Tivemos certeza de que o rio estava morto naquele momento."

Jadilson Lino de Oliveira, arquiteto e membro da comissão quilombola do Degredo

 

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Depois do rompimento, as primeiras medidas

Foto: IUCN/Erin Skoczylas

Um evento dessas dimensões necessitava de uma resposta eficiente e rápida. 

Após uma análise inicial da situação do desastre e das medidas emergenciais, foi firmado um acordo extrajudicial entre as mineradoras responsáveis pela barragem e os governos federal e estaduais.

A decisão estabeleceu um sistema de governança de transição, que criou a Fundação Renova, o Comitê Interfederativo (CIF) e as demais instâncias de apoio que fazem parte da gestão da reparação. 

Entidade sem fins lucrativos e financiada pela Samarco e suas mantenedoras, a Fundação Renova é responsável pela implementação dos 42 programas estabelecidos no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) para a recuperação da Bacia do Rio Doce e dos modos de vida das populações locais. Já o CIF supervisiona e orienta suas ações.

Os programas atuam em três eixos temáticos: pessoas e comunidades, terra e água, reconstrução e infraestrutura.

Em 2016, com o processo de restauração começando a avançar, a empresa BHP, uma das mantenedoras da Samarco, buscou uma assessoria externa, independente e objetiva para acompanhar a implementação dos 42 programas e recomendar melhorias e ações complementares para uma resposta mais efetiva. 

 

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Por sua experiência e rigor científico, a UICN foi convidada a desenhar um modelo que pudesse auxiliar nesse desafio. E em 2017, dois anos após o rompimento da barragem, constituiu-se o Painel do Rio Doce.

27 de setembro de 2018. Fundação RENOVA. Expedição Caminho da Reparação. Na imagem, pesquisadora medindo tronco para o monitoramento da fauna e da flora no Parque Estadual do Rio Doce.

Imagem: Gustavo Baxter/NITRO/Histórias Visuais
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O que é o Painel do Rio Doce e como ele atua na recuperação da Bacia

Foto: IUCN/Rio Doce Panel

O Painel do Rio Doce é uma assessoria independente e transparente, que tem como objetivo elaborar recomendações que possam auxiliar a tomada de decisões sobre questões controversas, com vistas à recuperação da paisagem da Bacia do Rio Doce, de forma resiliente e sustentável no longo prazo.

 

Painel do Rio Doce – Uma abordagem com soluções baseadas na natureza a nível de paisagem

Ao longo dos cinco anos de atuação, o Painel visitou áreas afetadas pelo desastre, conversou com os atingidos e reuniu-se com tomadores de decisão, cientistas e representantes das comunidades, para compreender os desafios da restauração.

Juntos, os especialistas produziram uma série de recomendações voltadas para a melhoria de processos de restauração e dos meios de subsistência das populações afetadas. Algumas foram adotadas pela Fundação Renova, de acordo com seu escopo de atuação. Outras foram rejeitadas ou dependem de atores externos para sua efetiva implementação.

Tendo como base a análise de estudos científicos e documentos técnicos produzidos no contexto da restauração, o Painel definiu suas áreas de atuação prioritárias. Entre elas, estão a avaliação abrangente dos impactos causados pelo desastre e as medidas adaptativas e de redução de riscos.

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Restaurar, sim, mas até que ponto?

Imagem de antes e depois da restauração, em uma área do Rio Doce.

Foto: Fundação Renova

Lidar com os impactos acumulados ao longo do tempo na bacia do Rio Doce e na zona costeira requer mais do que reabilitá-los com sucesso. Ações de governos, cidadãos e organizações privadas são fundamentais para solucionar os problemas conhecidos. Além disso, os resultados positivos precisam ser mantidos e aprimorados para além do Painel e da existência da Fundação Renova.

Yolanda Kakabadse – Presidente do Painel do Rio Doce

 

As visitas aos locais atingidos, a análise dos dados disponíveis publicamente e os testemunhos dos impactados contribuíram para que o Painel entendesse com mais profundidade a situação da Bacia no pós-desastre. 

No entanto, em alguns casos, há lacunas de conhecimento sobre suas condições ecológicas antes do rompimento. 

Séculos de atividades econômicas e de desenvolvimento da região geraram problemas que interferem em sua saúde ambiental. Podemos citar a ausência de tratamento adequado de esgoto domésticos e industriais, além da degradação do solo, questões que já existiam quando o desastre ocorreu.

Diante desse contexto, o Painel do Rio Doce recomendou que as medidas de restauração fossem baseadas nos princípios metodológicos da avaliação de impacto ambiental, que permite identificar, descrever e classificar cada um dos efeitos do rompimento de Fundão.

O que é avaliação de impacto ambiental, por Yolanda Kakabadse.

 

 

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Avaliação de impacto ambiental no contexto da Bacia do Rio Doce

Periquito, MG, 25 de agosto de 2020. Fundação RENOVA. Médio Rio Doce. Programa socioambiental 27 - Programa recuperação de nascentes. Especialista socioambiental analisando o estado da água e da vegetação de Periquito.

Foto: NITRO/Histórias Visuais

A falta de linhas de base sobre alguns aspectos da saúde ambiental da Bacia dificulta o diagnóstico dos impactos causados pela lama e a decisão das ações a serem tomadas.

Por isso, idealmente, a avaliação deve trazer indicadores precisos de antes do rompimento para cada componente analisado. Dessa forma, é possível traçar uma comparação com os dados recolhidos após o desastre. Na ausência destes, é importante empreender esforços para estabelecer diretrizes para qual cenário se quer atingir.

O Painel sugere também que seus resultados sejam divulgados a todos os envolvidos e interessados, para aumentar o alcance da informação. Essa e outras recomendações estão detalhadas no Relatório Temático Os Impactos do rompimento de Fundão, de 2018.

 

Avaliação de impacto no contexto do rompimento da barragem 

A Fundação Renova solicitou, então, orientações práticas de como deveria ser realizada a coleta dos dados para a avaliação de impacto.

A resposta veio em um artigo da série Questões em Foco, Uma estrutura de avaliação dos impactos ambientais e sociais de desastres - Garantindo uma mitigação efetiva após o rompimento da Barragem de Fundão

O documento propõe um modelo estruturado, apresentado em formato de matriz, para facilitar a reunião e a análise das informações. E pode ser utilizado para avaliar desastres ambientais semelhantes.

 

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Sugestões implementadas e primeiros resultados

27 de agosto de 2020. Fundação RENOVA. Especialista socioambiental analisando as Estações de Tratamento Natural (ETN) nas calhas do Rio Gualaxo do Norte.

As estações utilizam barreiras filtrantes e ilhas de vegetação na calha do rio para filtrar a água e absorver metais.

Imagem: NITRO/Histórias Visuais

Seguindo a recomendação do Painel, a Fundação Renova criou a Curadoria de Impactos, uma área interna dedicada à avaliação dos mesmos.

Com o apoio de consultores independentes, a Fundação Renova elaborou também um método de compilação e organização de relatórios técnicos, a partir dos quais propôs novas ações. Algumas já foram implementadas e trazem resultados.

Oficinas participativas, por exemplo, permitiram às comunidades afetadas colaborarem com as equipes técnicas na compreensão da situação da Bacia. As informações coletadas podem guiar ações de mitigação mais efetivas para a restauração dos ecossistemas afetados.

Já as avaliações pontuais de impacto, em componentes específicos dos programas, possibilitaram a análise dos efeitos do desastre em espécies ameaçadas de extinção e as consequências do turismo na zona costeira.

 

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A importância de uma análise integrada

04 de setembro de 2020. Fundação RENOVA. Na imagem, piscicultor pescando em jaulas do projeto de piscicultura selecionado pela Brazil Foundation para receber suporte financeiro.

Foto: NITRO/Histórias Visuais

É natural e esperado que os 42 programas implementados gerem informações preciosas para a orientação e o ajuste das ações. 

O Painel do Rio Doce recomenda a realização de uma análise integrada dos mesmos, para identificar e explorar suas interconexões. 

Desse modo, será possível compreender, por exemplo, como o trabalho de restauração florestal e recuperação de nascentes ajudou na retomada da produção agrícola nas fazendas afetadas pelo desastre. 

Para realizar essa análise, é essencial que as partes interessadas sejam ouvidas. Programas de retomada da pesca e de conservação da biodiversidade aquática devem consultar os pescadores, comunidades ribeirinhas e todos que dependem do rio para sua subsistência. 

Já os que tratam de monitoramento da saúde precisam incluir dados trazidos pela população atingida, como os efeitos adversos percebidos pelo eventual contato com os rejeitos, bem como efeitos indiretos na saúde mental dessas populações.

No entanto, os resultados das ações ainda são observados de forma fragmentada e os indicadores sugeridos não foram incorporados em sua totalidade às análises.

 

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Riscos presentes e futuros

Foto: IUCN/Erin Skoczylas

O Painel do Rio Doce também chama a atenção para elementos externos que podem ampliar a degradação da Bacia do Rio Doce:

 

Cheia do Rio Doce inunda 14 bairros de bairros de Governador Valadares. Fevereiro/2020

Foto: ©️Antônio Cândido/Prefeitura Municipal de Governador Valadares

 

  • Aumento da temperatura média da superfície e alterações nos regimes pluviométricos em toda a bacia.

 

  • Elevação do nível do mar e erosão costeira, podendo causar inundações no litoral capixaba.

 

 

  • Tempestades tropicais, como a que atingiu a costa do Espírito Santo, em março de 2020.

 

  • Mudanças climáticas, que aumentam a vulnerabilidade de comunidades a esses desastres e intempéries.

Photo: IUCN/Rio Doce Panel

Para prevenir esses riscos, é importante pôr em prática medidas como a ampliação dos investimentos nas áreas ameaçadas e a criação de políticas públicas adequadas, como planos de ação para a mudança climática, em níveis estadual e municipal.

 

 

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Próximos passos

Aimorés, MG, 29 de agosto 2017. Fundação RENOVA. Baixo Rio Doce. Programa socioambiental 27 - Programa de recuperação de nascentes.

Na foto, viveirista irrigando mudas para replantio de vegetação nativa através da parceria com o Instituto Terra, de Lelia e Sebastião Salgado, que firmaram acordo para replantio de árvores e recuperação de nascentes ao longo do Rio Doce.

Foto: GUSTAVO BAXTER/NITRO/Histórias Visuais

 

Desde 2017, o Painel do Rio Doce já produziu 4 relatórios temáticos e 5 artigos da série Questões em Foco, analisando diversos aspectos da recuperação da Bacia e trazendo novas recomendações.

Em 2021, foi solicitada a elaboração de um novo relatório, com o objetivo de apresentar uma metodologia de avaliação dos impactos nas áreas costeiras e marinhas afetadas pelo desastre.

Para sua preparação, o Painel liderou uma série de workshops e apresentações  reunindo técnicos da Fundação Renova e da CT-Bio, representantes da Vale e especialistas da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS). 

Os resultados parciais foram apresentados em um webinar e na Conferência internacional da Associação Internacional de Avaliação de Impacto Ambiental, IAIA ‘ 22

As conclusões podem ser utilizadas para avaliar e propor melhorias contínuas ao Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA), que fornece dados importantes para ações de conservação da biodiversidade na região.

O produto final é uma metodologia construída colaborativamente, que está presente em um novo Relatório Temático, lançado em novembro pelo Painel do Rio Doce.

 

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Saiba mais sobre o Painel do Rio Doce

27 de setembro de 2018. Fundação RENOVA. Expedição Caminho da Reparação. Vista aérea do Parque Estadual do Rio Doce.

Foto: Bruno Correa/NITRO/Histórias Visuais

 

Que tal conhecer mais detalhes sobre o trabalho realizado pelo Painel e a UICN?

No site do Painel do Rio Doce, você encontra informações sobre os trabalhos e pode acessar todos os Relatórios Temáticos e artigos da série Questões em Foco.

Na página no Linkedin, você recebe atualizações sobre o Painel e notícias relacionadas ao assunto.

O site internacional da UICN é onde você vai ter todas as informações sobre a União Internacional pela Conservação da Natureza e sobre seus projetos ao redor do mundo.

E, caso queira entrar em contato, é só escrever para brasilia@iucn.org.